Anda por aí um burburinho por causa das forças policiais e militares que se preparam para uma mega manifestação na primeira quinzena de maio.
Que é só regalias, privilégios, que não fazem nada, rebéubéu pardais ao ninho...
Pois eu, como mulher e mãe de militar, e ainda por cima professora, sinto-me tudo menos uma privilegiada.
Não, não somos sanguessugas da nação. De facto são os contribuintes que nos pagam, mas deixem-me dizer-vos com todas as letras: ainda nos pagam pouco. Muito pouco para o serviço que nós prestamos à nação.
É que isto de ser militar, ou mulher e mãe de militar e, ainda por cima, professora, é estar ao VOSSO serviço 24 horas por dia, 7 dias por semana, o ano inteiro,...uma vida inteira, na verdade.
Aos 48 anos já passei as passas do Algarve à conta dos serviços que prestei a esta nação.
Comecei por namorar à distância, passei uma gravidez praticamente sozinha, o meu filho quase nascia sem que o pai pudesse estar presente.
O meu filho cresceu a ver partir o pai constantemente. Uma semana, duas, três, um mês, três meses, seis meses seguidos.
A viver longe de familiares próximos, sem qualquer tipo de suporte, era uma correria para sair da escola e ir buscá-lo a horas decentes e fazer tudo o que uma mãe e mulher normalmente tem de fazer.
Não ter ninguém que fosse sequer comprar pão ou leite, acordar de noite com ele a chorar, doente, e ter que ir sozinha para o hospital mais próximo.
Passar semanas de coração apertado enquanto o marido navegava nos submarinos obsoletos que tínhamos. Vê-lo chegar cheio de roupa imunda, a tresandar a gasóleo dos submarinos que não tinham sequer condições para a tripulação tomar banho. Com a pele macilenta de quem andou semanas a respirar ar impróprio para a saúde humana, cansado do regime de cama quente que significa dormir num saco-cama no máximo durante 4 horas e dar lugar ao colega seguinte, que também precisa de descansar um bocadinho.
A solidão, as saudades, as angústias, as correrias, o tempo roubado à vida em família, a saúde que se perdeu,...em resultado dessas horas, dias, semanas, meses, anos a fio...
Aliado a isso, ser professora, passar mais tempo com os VOSSOS filhos do que com o meu, trazer trabalho para fazer em casa e não ter tempo para lhe dar atenção, muitas vezes, nem ao fim-de-semana.
Ter que passar anos a trabalhar longe da área de residência, umas vezes levando o filho comigo, uma das vezes ter que o deixar para não ter que lhe interromper o percurso escolar no primeiro ciclo.
Ter 26 anos de serviço, mas não saber o que é ter uma carreira desde 2004. Ter visto o ordenado diminuir quando a crise estalou, ter a fama de estar novamente a ganhar o mesmo, mas olhar para a folha de vencimento e ver que ganho mais ou menos o mesmo que ganhava em 2002/2003. E isso a multiplicar por dois, porque a folha de vencimento do marido está em igualdade de circunstâncias.
Saber que teria de trabalhar até aos 70 e tal anos para atingir o topo da carreira docente...
Enfim.
Não há privilégio nenhum que pague isso. Nenhum!
Não me quero fazer de coitadinha. Nada disso. Bem sei que há vidas piores e mais difíceis ainda.
Mas PAREM de estar sempre uns contra os outros!
Devíamos estar todos mais unidos, em vez de andarmos nesta luta entre função pública e privados.
Não se esqueçam que se o estado não der o exemplo, os privados também não vão tratar bem os seus empregados.
Todos os direitos tirados à função pública...nunca serão dados aos trabalhadores no privado. Nunca.
Fiquem a aplaudir os direitos que nos tiraram, fiquem,...mas podem tirar o cavalinho da chuva, pois quando as coisas para nós vão mal,...para vocês vão de mal a pior.